As experiências numinosas apresentam materiais a serem trabalhados para seguir com o processo de individuação. São experiências que têm um caráter espiritual e transcendente, de natureza arquetípica, que devem ser compreendidas de forma psicológica e trazer um movimento prático na vida do indivíduo.
No decorrer de sua vida, Jung menciona à respeito de diversas experiências de caráter numinoso que teve. Vemos algumas referências sobre elas e sobre o grau de importância que tiveram no direcionamento de sua trajetória. Ele as registrava com afinco e as utilizava como material de trabalho interior, elaborando-as continuamente.
As fantasias que nessa época me vieram ao espírito foram primeiro anotadas no Livro negro e mais tarde as transcrevi no Livro vermelho, que ornei de imagens. […] Compreendera que tanta imaginação necessitava de um terreno sólido, e que eu devia voltar primeiro à realidade humana. Esta, para mim, era a compreensão científica. Senti a urgência de tirar conclusões concretas dos acontecimentos que o inconsciente me havia transmitido, e isto se transformou na tarefa e conteúdo da minha vida (JUNG, 2006, p 216).
Através do exercício da percepção e consciência é possível perceber conteúdos que muitas vezes estão projetados nas coisas, nas pessoas e no mundo, vendo-os como símbolos. Se compreendidos dessa forma, podem ser instrumentos a favor da individuação.
Essas experiências, quando passam a ser integradas à psique, possibilitam uma percepção e expansão de consciência que podem trazer novos horizontes e um sentido com significado.
A explicação psicológica para as experiências numinosas como as que Rudof Otto relata em seu livro seminal, The Idea of the Holy, por exemplo, está no mecanismo de projeção, pelo qual conteúdos inconscientes são “percebidos” em objetos físicos, rituais ou sons que os emitem. Em experiências religiosas, sustenta o psicólogo, o ego vivencia um conteúdo do inconsciente em projeção. Quanto mais simbólica a experiência, tanto mais arquetípico o conteúdo. Tais experiências criam símbolos que ligam a consciência ao inconsciente, e eles oferecem “dicas” que podem ser decifradas como comunicação. Esses sinais podem levar a uma perspectiva mais profunda da vida do ponto de vista do inconsciente coletivo, sendo essenciais ao processo psicológico de individuação caso se consiga trazê-los à superfície e torná-los conscientes. Descreve-se essa transformação de um estado (espiritual) em outro (psicológico) como sublimação (STEIN, 2020, p 49).
Quando essas imagens arquetípicas são compreendidas como símbolos, a função transcendente pode se constelar, ou seja, conter conteúdos pessoais e coletivos. E então ocorre a possibilidade de integração ao indivíduo, aumentando ainda mais sua percepção sobre o mundo e sobre si mesmo. E é aí que um universo rico de possibilidades se apresenta.
Referência Bibliográfica
JUNG, Carl G., Memórias, sonhos, reflexões; organização e edição Aniela Jaffé. 13 ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006
STEIN, Murray. Jung e o caminho da individuação: uma introdução concisa. Trad. Euclides Luiz Calloni – São Paulo: Cultrix, 2020
Texto: Alessandra M. Esquillaro – CRP 06/97347