Ah, o amor! Quem ama ou já amou sabe o quanto isso é difícil. Afinal, o encontro com o outro é permeado de dificuldades, encantos e desencantos.
Nos contos de fadas vemos retratada essa jornada com os dissabores e a luta necessários para o desenvolvimento da personalidade. A maioria deles sempre culmina em um casamento depois de uma jornada dolorosa que simboliza o desenvolvimento da personalidade do herói ou heroína. Ou seja, o casamento é sempre uma conquista árdua.
No conto a Donzela sem mãos, dos irmãos Grimm, por exemplo, a heroína passa duas vezes pela separação do amado e te, duas celebrações de casamento. Já em Rapunzel, há o encontro com o príncipe e logo uma separação onde ambos precisam viver no deserto até poderem se encontrar novamente.
Os contos então parecem mostrar que não dá para encontrar assim de modo imediato o príncipe e logo se casar com ele.
Essa visão acaba contradizendo os valores que nossa sociedade prega. Hoje damos muito valor ao amor romântico e à paixão imediata. A entrega de corpo e alma logo no início é supervalorizada e isso causa muitos transtornos nas relações. Contudo, todos os encontros populares mostram que isso se passa depois de muitas provas.
O caminho para o amor
Existe um caminho a ser percorrido e algumas provas iniciais a serem superadas: no mito Eros e Psique, a moça passa por diversas tarefas impostas pela deusa do amor, Afrodite, para reencontrar seu amado.
Essa dificuldade imposta pela deusa do Amor nos mostra que precisamos estar aptos para esse verdadeiro encontro. Parece que precisamos provar a ela que somos merecedores e estamos maduros para o verdadeiro amor.
No conto de fadas dos irmãos Grimm, chamado A Princesa Enfeitiçada, o jovem herói precisa desvendar os enigmas proposto pela princesa que está sob o domínio de um espírito da montanha. Se não conseguir desvendar os enigmas ela irá matá-lo, mas se conseguir se casará com ela. O jovem consegue, mas mesmo após o casamento ainda precisa vencer um último obstáculo para enfim ter seu casamento consumado.
Tanto os homens quanto as mulheres precisam vencer desafios para consumar seu amor.
O amor na psicologia analítica
O amor para a psicologia analítica é um dos maiores catalisadores do processo de individuação. Aquele processo onde você se torna a si mesmo. Você se torna quem tem que ser. Por meio dele há o encontro com o outro, que nos transporta para uma dimensão mais profunda de nós mesmos. Por essa razão o amor é pessoal, pois nos impulsiona a nos conhecermos melhor e a sairmos de casa em busca da autonomia.
O primeiro encontro com alguém é permeado de ilusões e fantasias sobre o outro. Não enxergamos como o outro realmente é, mas como gostaríamos que fosse. No amor, há uma dança que precisa ser feita, um cortejo inicial.
Nos contos de fadas, os obstáculos, enigmas e desafios, que as princesas costumam impor aos pretendentes. É como se ela quisesse que o futuro amado provasse seu valor e que ele está apto a entende-la.
A dor que nos habita
Há um conto de fadas tibetano chamado Senhorita Madrepérola, onde a heroína Madrepérola teve de dar atenção a parte ferida, fraca, abandonada e pobre de sua alma (representada por um mendigo, antes que pudesse se casar.
As vivências dolorosas, os desencantos e as traições, parecem fazer esse serviço para nós, onde assim podemos ver nossas limitações e a dos outros e aceita-las.
Os contos de fadas – como em Senhorita Madrepérola e A Mulher esqueleto – nos mostram que precisamos nos relacionar com nosso lado fragilizado antes de nos relacionar de forma madura e mais plena.
A beleza do amor
Vemos nos contos de fadas que também há uma dança no momento da conquista do amor. No conto brasileiro chamado Mãe d´água, o pobre pescador precisa fazer oferendas à mãe d´água. Ela recebe algumas dádivas do rapaz, e mostra sua vaidade e beleza com isso.
Isso mostra que é vital para a mulher ouvir do homem que é bonita e se sentir assim perto dele. Ela floresce e se sente próxima ao divino com isso.
Esse conto mostra esse galanteio, que hoje por vezes é banalizado. Observar essa dança de forma antiquada é desconhecer a profundidade da psicologia do homem e da mulher. Ser vista pela sua beleza, por seu encanto é algo que a mulher gosta de sentir e ouvir. Algo herdado da deusa do amor Afrodite por todas as mulheres. Todas elas sucumbem diante da deusa quando apaixonadas. Os homens gostam de sentir que são inteligentes e fortes o suficiente para agradar as mulheres, e assim provar que sabe agrada-la. Eles gostam de ouvir que sabem despertar na mulher algo que ninguém mais soube.
Portanto, para chegar ao casamento heróis e heroínas precisam fazer um rito de iniciação, observar seu lado fragilizado, amadurecer, superar complexos parentais, tornando assim a conquista do amor mais complexa e mais profunda e desmistificando o amor romântico e impetuoso da sociedade de hoje.
Referências bibliográficas:
BONAVENTURE, J. Variações do tema mulher. São Paulo: Paulus,
KAST, V. O amor nos contos de fadas – o anseio pelo outro. Petrópolis, RJ: Vozes, 2001.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
________________ O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.