Donzela sem mãos é um conto belíssimo que já foi amplamente estudado no livro Mulheres que correm com os Lobos, da autora Clarissa Pinkola Éstes, e no livro O Feminino nos contos de fadas, de Marie Louise Von Franz.
O conto dos irmãos Grimm, trata da história de uma jovem que teve suas mãos amputadas pelo seu pai – um moleiro – que tristemente fez um pacto com o diabo, em troca de riqueza.
Análise da obra
A história se trata da jornada da mulher que não consegue assumir seus dons criativos.
O pai, um moleiro que perde sua fortuna, é aquela parte nossa que quer sair da dificuldade por artifícios do ego e sem ética. Ele entrega a filha ao diabo.
Os nossos moleiros e nossas donzelas
Vemos a mesma narrativa se repetir coletivamente por meio do avanço tecnológico que destrói a natureza indiscriminadamente. Pensamos “é apenas um pedaço de terra”, ou é só uma árvore”, mas se trata mais do que isso.
Cortar as mãos significa cortar relações, mas ficar sem mãos também significa que a mulher ficou sem capacidade de atuar no mundo, de trabalhar e de colocar seus dons criativos no mundo.
Quantas mulheres não abdicaram de seus dons e fizeram um pacto infeliz com “o diabo” não respeitando seus processos da alma, seus relacionamentos se tornando impotentes e incapazes de se relacionar e realizar qualquer produção criativa.
O início da jornada
Sem mãos, a jovem deixa a casa dos pais e segue em sua jornada redentora para viver na floresta e assim reencontrar a sua natureza perdida. Ela suporta o sofrimento e confia em algo maior que seu ego.
O encontro da donzela e a ampliação da consciência
Na floresta sente fome e um anjo a ajuda a encontrar um jardim, que pertencia a um rei. Chegando lá, ela come uma pera. O monarca percebe que uma de suas peras sumiu e descobre a donzela, se apaixonando pela moça e a pedindo em casamento.
O jardim e o roubo fruto proibido lembram a temática judaico-cristã do Paraíso e Pecado Original. Mas aqui não é considerado pecado. No conto, este ato simboliza o ultrapassar a inconsciência natural do Paraíso. Ou seja, agora a jovem conhece o bem e o mal e a realidade da vida, que consiste de bons e maus momentos.
Ao casar com o rei, ela ganha mãos de prata. Esta é ainda uma solução temporária, pois com as mãos de prata ela ainda não tem a mesma mobilidade que tinha com as naturais, ou seja, ela ainda continua passiva.
Maternidade e sombra
A prata na alquimia está associada a Lua, ao feminino e a maternidade. Isso significa que, apesar de estar em um caminho de redenção, ela ainda não tem um instinto materno saudável, é artificial.
A jovem fica grávida, mas o rei segue para a guerra deixando-a com a sua sogra. Os 09 meses se passam e quando o bebê nasce, a mãe do rei envia cartas ao filho. No entanto, as cartas são trocadas pelo diabo e uma ordem é acrescentada: a de matar a moça e o filho.
Mais uma vez a jovem é colocada em contato com o mal, pois seu conflito não estava ainda resolvido: sua feminilidade precisava ser aprofundada.
A mãe do rei percebe algo de errado e manda matar uma corça no lugar da moça e pede para que a jovem fosse embora para a floresta.
Ela novamente se encontra na floresta, abandonada e traída. Não se trata de uma repetição do drama, mas de um aprofundamento da iniciação da jovem para sua entrada na floresta da sua psique através do rito da resistência e assim fortalecer sua personalidade enquanto mulher, através desse encontro com a Mãe Natureza.
Ela passa então, 7 anos com seu filho na floresta, auxiliada por uma espécie de anjo cuidador. Nesse tempo suas mãos crescem e seu marido passa a procurá-la durante todo esse tempo.
Natureza e maternidade
Aqui o processo de iniciação da donzela se aprofunda. Ela agora vai sair de seu estado de inconsciência total do inicio do conto. A floresta é símbolo de algo intocado, da Mãe Natureza. Nesse prazo de 7 anos, ela resgata seu instinto materno, longe da civilização que lhe dita regras de comportamento enquanto mãe.
Ela vai ser a mãe ursa e desenvolver sua natureza selvagem. Esse é um problema inclusive crônico em nossa sociedade ocidental: a perda de contato com a natureza afeta mais intensamente as mulheres, que desconectadas de seu próprio corpo e seus ciclos acabam se desligando do instinto materno e desconhecendo os ciclos de seus bebês.
Ela fica na floresta por 7 anos. O sete é o número de dias de cada fase da lua e é também o número de outras expressões do tempo sagrado: os sete dias da criação, os sete dias da semana.
O conto Donzela sem Mãos traz para a mulher o aprendizado da natureza mais profunda do feminino que se divide em ciclos relacionados as mudanças do corpo.
Portanto, compreendermos esses ciclos e os pactos infelizes que fazemos em nossa inconsciência nos auxilia em nosso crescimento psíquico. Cada ciclo tem sua tarefa, uma morte simbólica e uma entrada em nossa floresta interior, nossa área selvagem e intocada. Respeitar os ciclos de nosso corpo e espírito nos ajuda resgatar nossas mãos, ou seja, nosso poder de criar e realizar algo em nossas vidas e no mundo.
1 comentário
Excelente conteúdo p/ desenvolvimento pessoal de amadurecimento.