O homem é fruto de si mesmo e de seu tempo. Não seria diferente com Jung, aliás essa é uma das coisas que ele enxergou com clareza, em sua trajetória pessoal e profissional quando nos falou sobre o espírito da época e o espírito das profundezas. Abordaremos esse tópico em outro momento.
Para compreendermos seu momento de vida, sua personalidade, seus feitos e construções, é justo darmos atenção ao que estava acontecendo em seu tempo, digamos assim, aos outros grandes pensamentos e correntes influentes da época.
Inegável que quando lemos seus livros, facilmente encontramos os nomes que ele deu justo valor. Um homem de grande honestidade intelectual.
E vale considerarmos que ele era um homem dentro de um contexto histórico, político e social que incluía diversas áreas do saber. E ele como sendo bastante culto, estudioso e curioso, estava aberto a esses pensamentos e correntes de sua época, não se limitando à psiquiatria e nem à psicologia.
Sonu Shamdasani (2009, p 194) nos detalha sobre isso na Introdução do Livro Vermelho de Jung. Segundo ele:
As primeiras décadas do século XX testemunharam uma boa dose de experimentação na literatura, na psicologia e nas artes visuais. Escritores tentaram abolir os limites das convenções da representação a fim de explorar e mostrar todo o espectro da experiência interior – sonhos, visões e fantasias. Eles experimentaram com novas formas e utilizaram formas velhas de jeitos novos. Da escrita automática dos surrealistas às fantasias góticas de Gustav Meyrink, os escritores aproximaram-se e colidiram com as pesquisas de psicólogos que estavam envolvidos em explorações semelhantes. Artistas e escritores colaboraram em tentativas de novas formas de ilustração e tipografia, novas configurações de texto e imagem. Psicólogos buscaram vencer os limites de uma psicologia filosófica, e começaram a explorar o mesmo terreno que artistas e escritores. Demarcações claras entre literatura, arte e psicologia ainda não haviam sido estabelecidas; escritores e artistas emprestavam ideias de psicólogos e vice versa. Importantes psicólogos como Alfred Binet e Charles Richet, escreveram trabalhos ficcionais e dramáticos, frequentemente sob pseudônimos, cujos temas espelhavam aqueles de seus trabalhos “científicos”. Gustav Fechner, um dos fundadores da psicofísica e da psicologia experimental, escreveu sobre a vida da alma e das plantas e sobre a Terra como um anjo azul. Ao mesmo tempo, escritores tais como André Breton e Philippe Soupault constantemente liam e utilizavam os trabalhos de pesquisadores psíquicos e psicólogos da anormalidade, tais como Frederick Myers, Théodore Flournoy e Pierre Janet. W. B. Yeats utilizou a escrita automática espiritualista para compor uma psicocosmologia poética em A Vision. Em todos os cantos, indivíduos procuravam novas formas com as quais representar as realidades da experiência interior, numa busca por renovação cultural e espiritual.
Essa é uma amostra do contexto em que Carl Gustav Jung levou a cabo seu processo profundo de contato consigo mesmo e seus símbolos, através de experimentos em que se colocava. Estamos falando de sua obra central: O Livro Vermelho. Ele é fruto desses experimentos, numa época em que não havia divisão entre psicologia e literatura.
Referência bibliográfica
Shamdasani, Sonu. Introdução para O Livro Vermelho: Liber Novus. Trad. Gentil A. Titton e Gustavo Barcelos. Petrópolis: Vozes, 2009.
Texto: Alessandra M. Esquillaro – CRP 06/97347