É importante sabermos que durante o processo de desenvolvimento da consciência do homem houve um distanciamento dos conteúdos psíquicos primitivos. Esses conteúdos, que a princípio eram o próprio ser humano, foram distanciados pela mente consciente e ficaram armazenados no inconsciente. Podemos pensar que a mente consciente a que temos acesso hoje, habitualmente, não tem acesso à essa parte mais primitiva.
Segundo Jung (2016, p.124)
Num passado distante, essa mente original era toda a personalidade do homem. À medida que ele desenvolveu a sua consciência é que sua mente foi perdendo contato com uma porção daquela energia psíquica primitiva. A mente consciente, portanto, jamais conheceu aquela mente original, rejeitada no próprio processo de desenvolvimento dessa consciência diferenciada, a única capaz de perceber tudo isso. Ainda assim parece que aquilo que chamamos de inconsciente guardou as características primitivas que faziam parte da mente original.
Na psicologia analítica, consideramos fortemente a questão pessoal e coletiva, ligada ao desenvolvimento do homem como espécie e ao desenvolvimento individual, de cada história.
Esses conteúdos primitivos podem ser flagrados através de símbolos expressos nos sonhos, é como se o inconsciente buscasse resgatar tudo o que foi abandonado durante o processo evolutivo, incluindo os instintos, as fantasias, imagens, formas de pensamentos arcaicos, entre outros (JUNG, 2016)
A visão unilateral e limitada da consciência pode tomar esses conteúdos muitas vezes como meras expressões sem sentido que habitam a grande imaginação da mente, e “apenas” isso, enxergando-os como despidos de grande importância para o decorrer dos acontecimentos da vida. Mas essa visão é bastante errônea e prejudica fortemente a compreensão e integração de partes do “todo” do indivíduo.
Muitas vezes vemos também um medo subjacente de aproximar-se de conteúdos inconscientes, o medo do desconhecido. E há uma explicação para isso, “Esses conteúdos sobreviventes não são neutros ou apáticos; ao contrário, estão de tal maneira carregados de energia que às vezes não se limitam a causar mal-estar, chegando a provocar um medo real. E quanto mais reprimidos, mais se irradiam pela personalidade inteira, sob a forma de neurose” (JUNG, 2016, p 124).
A neurose é uma manifestação observada em decorrência de forte repressão de conteúdos importantes, tanto pessoais quanto coletivos. É preciso se ater a isso.
É como se um homem, tendo atravessado um período de inconsciência, de repente descobrisse que há um hiato na sua memória durante o qual lhe parece terem acontecido coisas importantes de que não se pode lembrar. Na medida em que acredita que a psique é um assunto estritamente pessoal (e é nisso que geralmente se crê), esse homem vai tentar recuperar as suas lembranças de infância, aparentemente perdidas. Mas esses hiatos nas suas recordações de criança são apenas sintomas de uma perda muito maior – a perda da psique primitiva. Assim como a evolução do embrião reproduz as etapas da pré-história, também a mente se desenvolve por uma série de etapas pré-históricas. A tarefa principal dos sonhos no nível dos nossos instintos mais primitivos. Em certos casos tais reminiscências podem exercer um efeito terapêutico notável, como Freud já assinalou há muito tempo. Essa observação confirma o ponto de vista de que um hiato nas lembranças da infância (a chamada amnésia) representa uma perda importante, e sua recuperação pode trazer acentuada melhoria de vida e bem-estar (JUNG, 2016, p 124).
Referências bibliográficas
JUNG, Carl. O homem e seus símbolos. Org. Carl Gustav Jung. Trad. Maria Lúcia Pinho – 3. Ed. – Rio de Janeiro: HarperColins Brasil, 2016
Texto: Alessandra M. Esquillaro – CRP 06/97347