É comum ouvirmos – e falarmos também – que alguém tem um complexo de inferioridade, ou de superioridade.
O complexo de Édipo também já virou um jargão habitual em nossa comunicação.
Mas o que significam os complexos?
Quando dizemos que uma pessoa tem um complexo de superioridade, queremos com isso afirmar que esse é alguém que se sente superior a todos os outros.
É alguém que age com superioridade, arrogância e despreza as habilidades dos demais, por se achar mais inteligente, mais criativo, ou mais forte que o mundo todo.
Parece que todo o seu ser é movido por esse sentimento.
É uma espécie de possessão que a pessoa não enxerga, mas que os que estão de fora notam de forma acintosa.
É isso o que um complexo faz. Ele “possui” a personalidade da pessoa, transformando a personalidade.
Na verdade não “temos” complexos; eles nos “tem”.
Carl Jung verificou nas experiências de associação de palavras, cujo objetivo era determinar a velocidade média das reações e de suas qualidades, acabou sendo um resultado relativamente secundário, comparando-se com a maneira como o método tem sido perturbado pelo comportamento autônomo da psique.
Foi então que descobriu os complexos de tonalidade afetiva que anteriormente eram registrados sempre como falhas de reação (Jung, 2000).
E com isso Jung, descobriu uma infinidade de complexos que podem perturbar a personalidade consciente.
Ele percebeu nessas experiências um fenômeno chamado constelação.
Onde situação exterior desencadeia um processo psíquico que consiste na aglutinação e na atualização de determinados conteúdos.
A constelação é um processo automático que ninguém pode deter por própria vontade.
Esses conteúdos constelados são determinados complexos que possuem energia específica própria. Portanto, os complexos quando nos tomam são constelados.
Os complexos provocam reações perturbadas.
E isso pode acontecer em qualquer conversa entre duas pessoas.
Os complexos então constelam e assimilam o interlocutor frustrando as intenções dele, podendo mesmo colocar em seus lábios outras respostas que ele mais tarde não será capaz de recordar.
Os complexos rompem com o postulado ingênuo da supremacia da vontade.
Toda constelação de complexos implica um estado perturbado de consciência.
Rompe-se a unidade da consciência e se dificultam mais ou menos as intenções da vontade, quando não se tornam de todo impossíveis.
A própria memória, como vimos, é muitas vezes profundamente afetada (Jung, 2000).
Os complexos nos deixam em um estado de não-liberdade, nossos pensamentos se tornam obsessivos e nossas ações compulsivas, porque eles têm muita energia.
Eles fazem as pessoas enlouquecerem por motivos pouco aparentes, tendo comportamentos inexplicáveis.
Os complexos muitas vezes se formam devido experiências dolorosas que haviam sido enterradas no inconsciente, e que afetam inconscientemente por meio dos complexos a personalidade consciente.
Conforme Stein (2006), complexos são entidades psíquicas fora da consciência, as quais existem como objetos que, semelhantes a satélites, gravitam em torno da consciência do ego mas são capazes de causar perturbações no ego de uma forma surpreendente e, por vezes, irresistível.
São os diabretes e demônios interiores que podem pegar uma pessoa de surpresa.
As áreas da psique carregadas de complexos são como “botões”, que quando apertados disparam os complexos.
Quando se aperta um desses botões, obtém-se como resposta uma reação emocional.
E assim, constela-se um complexo.
As reações aos complexos são bem previsíveis, uma vez que se saiba quais são os complexos específicos que estruturam o inconsciente de um indivíduo.
Depois que convivemos com uma pessoa por algum tempo, sabemos quais são alguns desses botões e podemos ou evitar essas áreas sensíveis ou fazer o possível e o impossível para tocar-lhes, tirando a pessoa do eixo.
Todos nós já tivemos a experiência de perda de controle sobre as emoções e, em certa medida, também sobre o seu comportamento.
Reage-se irracionalmente e, com freqüência, lamenta-o, arrepende-se ou pensa melhor sobre o que fazer na próxima oportunidade.
O pior é que reagimos exatamente da mesma maneira em muitas ocasiões e, no entanto, temos uma sensação de profunda impotente para conseguir abster-se de fazer a mesma coisa de novo na próxima vez.
Quando o complexo se constela, é como se a pessoa estivesse em poder de um demônio, uma força muito superior à sua vontade.
Para compreender melhor um assunto tão difícil Stein (2006) faz uma comparação bastante didática:
“Os complexos têm energia e manifestam uma espécie de “rodopio” eletrônico próprio como os elétrons que rodeiam o núcleo de um átomo. Quando são estimulados por uma situação ou evento, soltam uma rajada de energia e pulam sucessivos níveis até chegarem à consciência. Essa energia penetra na concha da consciência do ego e inunda-a, influenciando-a assim para rodopiar na mesma direção e descarregar parte da energia emocional que foi liberada por essa colisão. Quando isso acontece, o ego perde por completo o controle da consciência ou, quanto a isso, o do próprio corpo. A pessoa fica sujeita a descargas de energia que não estão sob o controle do ego. O que o ego pode fazer, se for suficientemente forte, é conter em si mesmo parte da energia do complexo e minimizar assim os súbitos impulsos emocionais e físicos.”
Esse núcleo onde “rodopia” o complexo é o arquétipo. Ele é a base do complexo. Por isso existe uma infinidade de complexos, pois existem inúmeros arquétipos.
Nossa psique, então, é composta de muitos centros, cada um deles possuidor de energia e até de alguma consciência e intenção próprias.
Mas como lidar com os complexos que nos tomam?
O ego da maioria das pessoas é normalmente capaz de neutralizar, em certa medida, os efeitos de complexos.
Essa capacidade serve aos interesses da adaptação e até da sobrevivência.
Por exemplo, na vida profissional, é essencial que coloquemos de lado os complexos pessoais no interesse do bom desempenho de suas tarefas.
Os psicoterapeutas precisam ser capazes de colocar em segundo plano suas próprias emoções e conflitos pessoais quando estão atendendo seus pacientes.
Para que sua presença seja eficaz em face de um paciente cuja vida está em total desordem, o terapeuta deve manter-se calmo e frio, ainda que esse seja um momento de caos na sua própria vida.
No entanto, não conseguimos anular por completo o efeito dos complexos e por isso é necessário muito autoconhecimento para conhecermos aquilo que nos toca profundamente e causa emoções fortes e descontroladas.
Conforme Jung (2000) os complexos constituem objetos da experiência interior e não podem ser encontrados em plena luz do dia, na rua ou em praças públicas.
É dos complexos que depende o bem-estar ou a infelicidade de nossa vida pessoal.
Por isso é tão importante estar ciente deles.
Até porque os complexos não são totalmente de natureza mórbida, mas manifestações vitais próprias da psique, seja esta diferenciada ou primitiva.
Portanto conhecer nossos complexos nos auxilia também a conhecer nossas potencialidades e talentos.
Texto Hellen Reis Mourão
Bibliografia:
JUNG, C. G. A Natureza da Psique. Petrópolis: Vozes, 2000.
STEIN, M. Jung – O Mapa da alma – Um Introdução. São Paulo: Cultrix, 2006.