A humanidade vem ganhando cada vez mais o campo do conhecimento científico e “dominando” a tecnologia. Grandes conquistas que temos e podemos desfrutar.
A tecnologia, por exemplo, se não fosse por isso, você não poderia estar lendo esse texto exatamente agora. Nós não poderíamos chegar até você com tanta facilidade na palma da sua mão, através do seu celular. Não seria possível fazer cursos online, terapia online. E agora durante a pandemia, muito da vida que pôde continuar foi graças aos avanços tecnológicos que temos.
Agora, considerando o outro lado, também é como se esse crescimento exponencial nessa direção tivesse, ao mesmo tempo, retirado coisas essenciais à natureza do homem. No universo primitivo há lugar para o símbolo, para as interpretações de fenômenos que trazem um sentido, ou dão um sentido maior à vida. E como estamos tão distantes conscientemente desse universo mítico, temos com isso uma grande perda.
A sensação de solidão, de desconexão, de falta de sentido, de estar “solto” no mundo, perdido, isolado, deve-se em grande parte à desconexão com os mitos interiores que habitavam o mundo de forma mais natural.
À medida que aumenta o conhecimento científico, diminui o grau de humanização do nosso mundo. O homem sente-se isolado no cosmos porque, já não estando envolvido com a natureza, perdeu a sua “identificação emocional inconsciente” com os fenômenos naturais. E estes, por sua vez, perderam aos poucos as suas implicações simbólicas. O trovão já não é a voz de um deus irado nem o raio o seu projétil vingador. Nenhum rio abriga mais um espírito, nenhuma árvore é o princípio de vida do homem, serpente alguma encarna a sabedoria e nenhuma caverna é habitada por demônios. Pedras, plantas e animais já não têm vozes para falar ao homem, e ele não se dirige mais a eles na presunção de que possam entendê-lo. Acabou-se o seu contato com a natureza, e com ele foi-se também a profunda energia emocional que esta conexão simbólica alimentava (JUNG, 2016, p 120).
Esquecer as superstições, ou colocá-las apenas em um lugar como se fossem zombarias desfalcadas de sentido ou poder tem uma consequência dentro de nós. A parte consciente pode acreditar que está dominando e ser tomada pela soberba, pela ideia de que nada que não seja cientificamente explicado deve ser levado em conta, entre outras coisas. Mas essa necessidade mítica continua viva dentro de nós e assim suas forças vão parar na esfera do inconsciente, e se transformando, mas agora, sem nenhum conhecimento ou controle da senhora “razão”. Explicando, e muito, a grande quantidade de desordens mentais, depressões e confusões a que o homem moderno se coloca vulnerável, ficando à mercê.
Ainda temos acesso à algumas destas manifestações através dos sonhos, que de forma livre da dominância da razão trazem de volta o contato mítico e o alimento da alma, expressando nossa parte complementar, com o intuito de nos aproximar da totalidade. Segundo Jung (2016, p. 120) “Essa enorme perda é compensada pelos símbolos dos nossos sonhos. Eles nos revelam nossa natureza original com seus instintos e sua maneira peculiar de raciocínio”.
Referências bibliográficas
JUNG, Carl. O homem e seus símbolos. Org. Carl Gustav Jung. Trad. Maria Lúcia Pinho – 3. Ed. – Rio de Janeiro: HarperColins Brasil, 2016
Texto: Alessandra M. Esquillaro – CRP 06/97347