O mundo antigo, primitivo, permeado por seres mágicos e pela
participação incessante da natureza em todas as suas formas, comunicava-se
com o ser humano e, assim, não o deixava à solta, sem lugar, sem um senso
de pertencimento.
Hoje em dia, quando falamos em fantasmas e em outras
figuras sobrenaturais, já não os evocamos. Essas palavras,
que já foram tão convincentes, perderam tanto o seu poder
quanto a sua glória. Deixamos de acreditar em fórmulas
mágicas; restaram-nos poucos tabus e restrições semelhantes;
e nosso mundo parece ter sido saneado de todos esses numes
“supersticiosos”, tais como feiticeiras, bruxas e duendes, para
não falarmos nos lobisomens, vampiros, almas do mato e todos
os seres bizarros que povoavam as florestas primitivas (JUNG,
2016, p 120).
O mundo encontra-se mais duro, mais árido, com menos encantamentos
e mais restrito em geral. A existência muitas vezes pode se resumir tristemente
à um cálculo, “nua e crua”. Mas isto não significa que nossa alma deixou de
ansiar pelo alimento que à pertence, o universo simbólico.
Através do nosso alcance intelectual criamos um mundo em que
dominamos a natureza através das máquinas e da tecnologia. Esse grande
desenvolvimento trouxe uma sensação de poder e de liberdade, mas esse
próprio movimento desmedido pode acarretar continuamente em grandes
perigos.
Nosso intelecto criou um novo mundo que domina a natureza e
ainda a povoou de máquinas monstruosas. Essas máquinas
são tão incontestavelmente úteis que nem podemos imaginar a
possibilidade de nos descartarmos delas ou escapar à
subserviência a que nos obrigam. O homem não resiste às
solicitações aventurosas de sua mente científica e inventiva
nem cessa de se parabenizar pelas suas esplendidas
conquistas. Ao mesmo tempo, sua genialidade revela uma
misteriosa tendência a inventar coisas cada vez mais
perigosas, que representam instrumentos cada vez mais
eficazes de suicídio coletivo (JUNG, 2016, p 128).
A tentação em acreditar que tudo pode ser controlado segundo sua
própria vontade, leva a humanidade, paulatinamente a encontrar-se com um
destino incontrolável, expresso pela própria natureza ou em decorrência de
grandes invenções que podem seguir um curso independente, a partir de um
dado momento.
Em vista da crescente e súbita avalanche de nascimentos, o
homem já começou a buscar meios e modos de controlar essa
explosão demográfica. Mas a natureza pode vir a antecipar
essa tarefa, voltando contra ele as suas próprias criações. A
bomba de hidrogênio, por exemplo, seria um freio seguro para
o aumento de população. A despeito da nossa orgulhosa
pretensão de dominar a natureza, ainda somos suas vítimas,
pois não aprendemos nem a nos dominar. Atraímos o desastre
de maneira lenta, mas que nos parece fatal. Já não existem
deuses cuja ajuda podemos invocar. As grandes religiões
padecem de uma crescente anemia, pois as atividades
prestimosas já fugiram dos bosques, dos rios, das montanhas e
dos animais, e os homens-deuses desapareceram no mais
profundo do nosso inconsciente. Ilumino-nos julgando que lá no
inconsciente levam uma vida humilhante entre as relíquias do
nosso passado. Nossas vidas são agora dominadas por uma
deusa, a Razão, que é a nossa ilusão maior e mais trágica. É
com a ajuda dela que acreditamos ter “conquistado a natureza”
(JUNG, 2016, p 128).
Referências bibliográficas
JUNG, Carl. O homem e seus símbolos. Org. Carl Gustav Jung. Trad. Maria
Lúcia Pinho – 3. Ed. – Rio de Janeiro: HarperColins Brasil, 2016
Texto: Alessandra M. Esquillaro – CRP 06/97347