Individuação é bem diferente de individualidade. A individualidade tem relação com a identidade de um indivíduo, entidade essa composta também pela cultura, mas visa mais um estabelecimento de características formadas pelo Ego, inclusive pela Persona, de modo que não compreenda necessariamente seus motivos, seu inconsciente e seus próprios aspectos sombrios. Não há, via de regra, essa intenção em trazer à consciência aspectos desconhecidos da personalidade.
No processo de individuação, há um movimento bastante complexo. Inclui uma busca voltada à identificação de conteúdos da sombra, elaboração de conflitos interiores e desenvolvimento da consciência. É um processo que leva a vida toda e abre ao indivíduo um universo além de sua esfera pessoal. Tem como pressuposto a existência da totalidade do ser, que envolve consciente e inconsciente (STEIN, 2020).
No processo de individuação há uma busca por se conscientizar de aspectos diversos da personalidade para a elaboração e ampliação da consciência. Também há uma busca por uma maturação do desenvolvimento, onde haja a capacidade de relações de alteridade, não só de relações de autoridade, se aproximando assim de sua própria “humanidade”. As relações de alteridade são permeadas pela consciência da interdependência, distinção e respeito pelo outro.
Um indivíduo pode ter sua individualidade bem estabelecida, mas pode não ser uma pessoa que se orienta pela sua humanidade, pela noção de importância e respeito pelo outro (este outro pode ser outro ser humano, outra nação, outros seres vivos, natureza etc.). Assim como também pode estar inconsciente à respeito de diversas outras instâncias dentro de si mesmo, não podendo se relacionar com esses aspectos internos de forma consciente, sendo muito mais “possuído” por sua própria sombra.
Quando há mais consciência, um relacionamento interno e externo mais consciente, que inclua essa noção de interdependência, distinção e respeito, podemos dizer que há relações mais maduras, relações de alteridade. E as relações de alteridade incluem a compaixão.
Segundo 55 “A psicologia pode […] trabalhar com o propósito de despertar a consciência de alteridade que tem a compaixão como uma de suas características principais.”
Nas relações com o próximo, a maturidade psíquica inclui a percepção de que o outro também padece dos mesmos sofrimentos. Há um reconhecimento de um “outro”, que deve ser visto como a si mesmo. Isso está incluso dentro do processo de individuação, mas antes é preciso conhecer para discernir, é preciso haver distinção, conscientização e elaboração, caso contrário, haverá possibilidade de ocorrer “misturas”, confusões e aberturas para a atuação da sombra. Essa conscientização e elaboração são facilitadas para que aconteçam dentro do processo de terapia, continuaremos a falar sobre isso.
Referências bibliográficas
FERNANDES, Roberto R. Abismos Narcísicos: A psicodinâmica do amadurecimento e da individuação. 1 ed. – Curitiba: Appris, 2017.
STEIN, Murray. Jung e o caminho da individuação: uma introdução concisa. Trad. Euclides Luiz Calloni – São Paulo: Cultrix, 2020
Texto: Alessandra M. Esquillaro – CRP 06/97347